1Coríntios 1.18-31
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· 83 viewsO autor expõe a razão das contendas orgulhosas dentro da igreja, combatendo-as com a demonstração da exclusividade da obra salvadora em relação a sabedoria humana, humilhando esta mediante a grandeza e simplicidade do Evangelho como pilar para unidade do Corpo de Cristo.
Notes
Transcript
"[....] Aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos" (1Co 1.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Avançando em sua argumentação com relação a unidade que deveria ser quista e cultivada na igreja, o apóstolo Paulo passa a enfatizar a razão das contendas e divisões que estavam ocorrendo dentro da comunidade de Corinto. Como dito na análise anterior, num primeiro momento (vs. 10-17) o autor enfatiza as ocorrências facciosas em si, expondo a incongruência coríntia de fragmentar a igreja através de rixas provocadas por preferências pessoais, cujos critérios embasavam-se nas capacidades técnicas de alguns homens que haviam exercido um trabalho pastoral naquela cidade (e.g. Apolo, Paulo e Cefas). Essas preferências eram alimentadas pela noção filosófica grega que admirava a eloquência retórica, e pelo apego judaico ao tradicionalismo religioso.
O trabalho pastoral de Paulo na presente seção é alertar aquela igreja quanto ao fato de que a sabedoria dos homens não reflete a mensagem do evangelho, não reforçando (ou até enfraquecendo) o vínculo de unidade da igreja, qual seja: a cruz de Cristo (v. 17). O autor destaca que há uma constante antítese entre a sabedoria dos homens e a sabedoria de Deus, constraste que se dá pelo fato de que os homens se orgulham de sua "sabedoria", cogitando obter por meio dela o favor do Altíssimo.
Assim, o modo de pensar mundano descarta a grande obra do Evangelho por pura vanglória, e esta é rejeitada pelo plano redentivo, tendo em vista que o trabalho salvífico empreendido por Deus coloca o homem em seu devido lugar (i.e. beneficiário), reservando toda glória para ele mesmo, em quem a igreja pode gloriar-se (gr. "καυχάομαι" lit. = desejar - orgulho cuja fonte é Deus, não o próprio indivíduo).
Em vista dessas considerações, a síntese da presente seção consiste na humilhação da sabedoria humana pelo poder do Evangelho como base da comunhão.
Elucidação
Na seção anterior, o autor retratou a imagem da igreja: dividida e fragmentada em grupos que arrogavam para si superioridade em detrimentos dos outros, armando uma espécie de "arena teológica" onde os servos de Deus que por lá passaram pregando o evangelho e edificando a igreja, estavam sendo usados como gladiadores, por quem torciam como que buscando neles uma representatividade ancorada num conceito mundano, em que a filosofia grega ou tradição judaica eram vistas como virtudes a serem perseguidas e desenvolvidas.
O próprio apóstolo finaliza sua constatação, demonstrando que a união do povo de Deus está alicerçada na cruz de Cristo (v. 17), isto é, a obra executada pelo Filho de Deus (não por Paulo, Apolo e Cefas, que foram apenas instrumentos do plano divino) é que garante a comunhão e unidade da igreja, nivelando todos os crentes como salvos na pessoas do Senhor Jesus, o que os torna um. A partir do versículo 18, a exortação do apóstolo concentra-se em expor a ridícula tentativa dos homens de, por sua própria sabedoria, tornarem-se entendidos ou sábios, como se a perspectiva do que consideravam sabedoria fosse válida no Reino de Deus.
Uma dualidade é então construída no texto a fim de expor a fragilidade do pensamento coríntio. As rixas e desavenças que ocorriam na igreja por causa do clamor por sabedoria, viam essa virtude a partir de um prisma de superioridade e excelência. Contudo, segundo Paulo, a "lógica" divina não parte da escolha de coisas vistas pelos homens como excelentes ou superiores, mas do exato oposto. No verso 18, o autor inicia a argumentação afirmando que, com o objetivo de cumprir o propósito redentivo e trazer glória a si, Deus empreendeu desde o princípio, ir na contramão do que os homens esperariam que ele fizesse:
Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus. Pois está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos.
No meio dessa assertiva, uma citação do Antigo Testamento é feita. O texto em questão é o de Isaías 29.14, em que o SENHOR, por meio de seu profeta, condena a atitude de Judá em sua relação com outros povos, pensando garantir com isso sua salvação da destruição assíria, aliando-se a esta, ou ao Egito contra ela. Como elucida Samuel Schultz:
As alianças com potências estrangeiras foram um problema constante em Jerusalém, nos dias do ministério de Isaías. Mediante as intrigas políticas e a diplomacia, os líderes de Judá esperavam garantir sua sobrevivência como nação, aliando-se aos vitoriosos. [...] Quer os capítulos iniciais desta passagem (i.e. Is 28-29) reflitam alguma aliança estabelecida com a Assíria, quer reflitam algum pacto com o Egito, a advertência deixa claro que tais esquemas terminariam em fracasso. [...] Depositar fé e confiança em qualquer nação, por intermédio de alguma aliança, jamais serviria como substituto adequado da simples fé em Deus (SCHULTZ, 1995, p. 296, 297).
A possibilidade de firmar um acordo político com povos estrangeiros, alimentava no coração dos líderes de Judá alguma esperança de salvação. Ao lado disso, crescia em seus corações uma raiz de orgulho e vaidade que os faziam jactar-se, e nesse ponto, o contexto dos coríntios é aproximado àquele vivido por Judá no passado. Enquanto que a fonte de orgulho de Judá foi a aliança com outras potências mundiais, embasado numa coalizão militar, a raiz de arrogância dos coríntios era sua sabedoria, dividida entre a lógica grega e a inquirição judaica (e.g. […] "tanto os judeus pedem sinais, como os grego buscam sabedoria" (v.22)). Contudo, como dito, Deus havia determinado que ao seu plano salvífico não agregaria qualquer contribuição humana, pelo contrário, a obra restauradora a ser executada em favor do povo de Deus contaria com um fator "contraditório" em sua operação.
O SENHOR destruiria a arrogância humana, fazendo prevalecer sua glória por meio do que Paulo chama de "loucura da pregação" (v.21), assim como fez à Judá, tornando nulo o acordo feito com outros povos, pela destruição e exílio que fez cair sobre seu povo. O autor afirma que a iniciativa humana foi feita insuficiente para promover o conhecimento divino necessário à salvação, isso é exposto através do jogo de palavras que Paulo realiza com o termo "μωραίνω" (trad. "louco"/"loucura") que atribui tanto a auto-proclamada "sabedoria" dos coríntios, quanto a pregação. O ponto em questão que une os dois princípios, embora os coloque em contraste, é a incompreensibilidade de um para como outro, no caso, da sabedoria de Deus em relação aos homens. Afirmando serem tão sábios, os homens não puderam chegar a compreensão da verdade salvadora por meio de suas filosofias. O meio providenciado para tal foi a simples e pura pregação do Evangelho, de maneira que a sabedoria dos homens foi humilhada pela "loucura" de Deus:
Onde está o sábio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século? Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria do mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.
Os coríntios ao usarem os critérios da filosofia grega ou da tradição judaica, estavam apenas refletindo a vaidade e orgulho da natureza humana que não poderia guiar seus"sábios" à salvação, pelo contrário, os estavam guiando à perdição (e.g. […] "a palavra da cruz é loucura para os que se perdem" (v.18) . Por outro lado, aquilo que consideravam nulo do ponto de vista filosófico por não fazer "sentido", tendo em vista o viés "contraditório" da operação divina da salvação, em que o que é fraco é usado por Deus como forte, isto é, o evangelho da humilhação-exaltação de Cristo Jesus, e por não atender o paradigma de cumprimento segundo a inquirição judaica, que esperava sinais diferentes do que de fato haviam sido prometidos no AT, foi usado pelo SENHOR a fim de que a grandeza de sua obra fosse plenamente percebida apenas por aqueles que foram habilitados a compreender esse princípio. Na fraqueza dos homens, manifestou-se a força de Deus.
A partir do versículo 26, Paulo adentra o caráter pastoral de sua argumentação, exemplificando a dinâmica que conceituou até este ponto. Um novo apelo é feito, agora em tom de contestação. A postura dos coríntios era procurar glória ou fama através de sua "sabedoria", mas o apóstolo adverte que buscando essas coisas, novamente os membros daquela igreja estavam caminhando na contramão do que propôs Deus no tocante à sua igreja e a obra redentiva, dado que, como dito, o fator antilógico (segundo os homens) é basilar ao modus operandi divino nesse processo. Isto é, ao passo que os homens vêem como dignas as coisas excelentes e gloriosas desse mundo, Deus buscou inverter a ordem de importância com relação ao Evangelho, fazendo com que as coisas pequenas e desprezas fossem enaltecidas, sendo agraciadas com a escolha soberana, a fim de que seu poder fosse publicado:
Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus.
Paulo não está determinando ou expondo um padrão inflexível no qual qualquer um que teve um nobre nascimento, ou é sábio (em termos humanos), ou rico (i.e. poderoso) está necessariamente excluído da graça salvadora por essa razão e nenhuma outra além, mesmo porque isso indicaria que o critério final da salvação estaria restrito a questões sócio-econômicas, o que não é verdade. O princípio declarado é que, aquilo que era buscado como digno de apreciação pelos homens, não possui qualquer efeito em termos do evangelho, e o motivo disso é para que "ninguém se vanglorie na presença de Deus" (v.29).
Os coríntios, ao almejarem tanto a sabedoria dos homens, fazendo dela ferramentas de segregação dentro da igreja, arvorando para si superioridade, na verdade, estavam resistindo a percepção de que a unidade da igreja estava fundamentada em algo muito mais excelente: o poder de Deus que os havia chamado não mediante filosofias, mas segundo a simplicidade da pregação, tese exposta na continuação do parágrafo:
Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor.
O autor não contradiz necessariamente o desejo por glória que os cristãos em Corinto tinham, apenas o reajusta para que, em primeiro lugar, percebam que não há motivos para sobreporem-se uns aos outros: todos foram trazidos à fé pelo mesmo instrumento, a saber, a loucura da pregação, e em segundo, que a fonte do orgulho da igreja é a grandeza do SENHOR na operação da salvação.
Transição
O ponto primordial a ser compreendido à luz do texto é que estamos supridos de tudo quanto precisamos para que a obra divina de salvação seja perfeitamente executada por Deus em favor de sua igreja, e o que possuímos como benefício dessa graça, não vem de qualquer contribuição que a sabedoria dos homens tenha dado, mas, a sabedoria (segundo Deus), a justiça (i.e. o perdão e a condição de justificados diante do SENHOR), a santificação e redenção, vieram exclusivamente da parte de Cristo Jesus, em quem nossa glória é completa.
Frente a essa perspectiva, os princípios destacados pelo autor divino/humano convergem para que compreendamos os seguintes pontos:
Aplicação
O que fundamenta e fortalece a unidade da igreja é a simplicidade do Evangelho, que opera a salvação no meio do povo de Deus, e não aquilo que os homens elucubram como adereço para o corpo de Cristo.
Não faltam ideias lá fora sobre como podemos edificar nossa igreja e torná-la mais expressiva e saudável. Agendas e compromissos, atividades, oficinas, formatos de culto, atrativos e etc. A imaginação dos homens é bem fértil quando se trata de pensar sobre o que a igreja precisa para ser uma "igreja melhor".
Se tomarmos esse mesmo caminho, estaremos sendo tão arrogantes e orgulhosos de nossa própria sabedoria quanto os coríntios foram. Na hora de investigar e procurar atender a necessidade da igreja, nossos irmãos da igreja em Corinto foram em busca da sabedoria grega ou da tradicionalidade judaica. Essas coisas enchem bancos por um tempo sim, atraem a visão de muitos que estão interessados em qualquer outra coisa, exceto Deus.
Já temos visto que precisamos nos comprometer com a unidade da igreja de coração e verdade (cf. vs 10-17); que o que nos conecta e vincula é a cruz de Cristo, mas, se chamarmos de evangelho qualquer outra coisa que não seja a fiel pregação das Escrituras, estaremos nos fiando em sabedoria de homens e não no poder de Deus.
É a simplicidade do Evangelho, pregado e exposto fielmente para nós, que assegura que cresceremos fortes e unidos como uma igreja genuinamente cristã. Paulo não condena atividades paralelas ao culto nas igrejas, como reuniões, estudos e etc. Porém, todas essas coisas precisam orbitar o Evangelho. Como afirmado anteriormente, nossa opinião pessoal quanto ao que a igreja precisa, baseada em concepções ou preferências pessoais, é completamente desimportante quando a intenção é promover a unidade e crescimento do povo de Deus.
Geralmente, esses acessórios criados pelos homens, servem-lhes de fonte de orgulho e arrogância, pois ao invés de confiarem no poder do Espírito para dar a saúde e crescimento necessário à igreja, passam a descansar nessas coisas. Para os coríntios, a nobreza e excelência das filosofias que estavam defendendo, culminariam no bem dos grupos a que pertenciam dentro da igreja. Além de estarem dividindo o que deveria ser indivisível, eles não percebiam que não havia sido chamados à salvação por sua grande sabedoria, mas sim, mediante a simples - e por isso desprezadas pelos homens - mensagem do evangelho, que os trouxera à graça a fim de que o poder de Deus fosse evidenciado em suas vidas.
Não fazemos parte do povo de Deus por algum tipo de estratégia humana, adequada perfeitamente ao nosso contexto, e por isso, efetiva em nos converter. Fomos chamados (i.e. vocacionados (cf. v.26 "Irmãos reparai na vossa vocação...")) pelo puro poder de Deus através do testemunho da graça do SENHOR na redenção que executou em Cristo Jesus, e agora somos dele, em sabedoria, justiça, santificação e salvação, para que nossa única fonte de glória seja o próprio Deus Triuno (cf. v. 31).
Conclusão
1Coríntios 1.18-31 é tanto uma advertência exortativa à igreja, a fim de que confie plenamente no Evangelho para lhe fortalecer sua unidade e comunhão, quanto um hino de louvor ao SENHOR, que nos chamou não por causa de nossa sabedoria ou entendimento, mas pelo simples motivo de querer Deus que sua glória fosse exposta em vasos de barro, para que o louvor fosse seu e não nosso.