Mateus 19.3-15
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 7 viewsO autor exibe a condição de rebelião dos homens como impecilho ao recebimento do Reino, ao passo que também declara a graça do SENHOR em direcionar à salvação os eleitos que em sua pequenez, receberam do Espírito a compreensão espiritual do Reino e de seu Messias, através da Lei.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Tendo encerrado a quinta seção do Evangelho em que abordou a compreensão do Reino mediante a fé no Messias, Mateus adentra uma nova parte do seu texto. Esta seção que vai até o capítulo 26.1, passando inclusive pelo anúncio das evidências e efeitos da publicação do Reino (caps. 24 e 25), foca a demonstração da resistência enfrentada pelo Senhor ao propagar os princípios e ensinamentos que sempre fizeram parte da ética do Reino (cf. caps 5 à 7), mas que foram deturpados por muitos (e.g. fariseus e escribas).
A presente seção retrata uma discussão entre o Senhor Jesus e os fariseus quanto a questão do divórcio que, embora enseje o debate, é direcionada por Cristo ao ponto de revelar as intenções daqueles homens em sua rebelião contra os mandamentos do Criador (cf. v. 4). Expondo esse contraste, Mateus registra a seguir o acolhimento de Jesus para com as crianças, mais uma vez as usando como demonstrativo de que o acesso ao Reino está garantido àqueles que, em sua pequenez, foram trazidos à fé e a razão pelo poder de Deus e receberam aptidão para entender os preceitos divinos (cf. v. 12).
Frente a essas informações, a ideia central da presente seção do evangelho de Mateus consiste na demonstração da rebelião como prova da incapacidade de ingresso ao Reino.
Elucidação
Tendo em vista o padrão de encerramento de discursos de Cristo que Mateus tem desenvolvido até este ponto de seu escrito, e assim como mencionado, a presente seção é iniciada a partir do versículo 3, após a referida conclusão da quinta seção dos versos 1 e 2, quando por ocasião do término dos discursos prévios, seguido por curas e milagres em favor das multidões.
Identificando o início da perícope no versículo 3, quando um debate é iniciado entre Cristo e os fariseus, o anexo dos versículos 13 à 15 necessita ter sua conexão com o restante do texto justificada a fim de ser destacada a conclusão do parágrafo, pois, à partir de uma leitura superficial, parece não ser possível estabelecer o vínculo semântico do trecho com a narrativa anterior (i.e. vs 3 à 12).
Embora o tema do tratamento de Cristo para com as crianças pareça determinar que a seção estaria à parte da perícope prévia, se levarmos em consideração como termina o versículo 12, poderemos ver a intencionalidade de Mateus ao registrar a narrativa após a fala de Cristo. Ao seguirmos o padrão encontrado nos outros evangelhos em que a mesma passagem é registrada (e.g. Mc 10.13-16; Lc 18.15-17), veremos que o texto reflete a aptidão das crianças para pertencerem ao Reino, figurando na verdade a concessão graciosa de acesso ao mesmo apenas àqueles que foram beneficiados com a compreensão de sua realidade mediante a fé (como retratado também na seção anterior (caps 13. à 18).
Seguindo essa lógica, assim como ocorreu no início do capítulo 18, as crianças são usadas como parâmetro do perfil daqueles que fazem parte do Reino, excluindo dessa contagem os agem segundo as intenções dos fariseus que, na proposição de uma discussão sobre um tópico da Lei, demonstram sua completa ignorância e rebelião, e com isso, sua incapacidade de pertencer ao Reino de Deus, enquanto que, daqueles de quem menos poderiam esperar compreensão para tal, é notado o entendimento do princípio em questão, qual seja, obediência e submissão à vontade do Pai.
Como dito, a seção sexta do evangelho de Mateus foi registrada com o fim de demonstrar a resistência encarada pelo Messias, em seu processo de cumprimento da obra redentiva e estabelecimento do Reino de Deus, como ponto máximo do fluxo revelacional-restaurador empreendido desde Gênesis. Essa tensão eclode a partir de um questionamento vindo da parte dos fariseus; conhecidos opositores do ministério de Cristo desde o início:
Vieram a ele alguns fariseus e o experimentavam, perguntando: É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?
A pergunta daqueles homens é feita de maneira capciosa, quase retórica, pois a única forma de atender corretamente a pergunta (pelo menos à princípio) seria propor uma resposta negativa. Contudo, de acordo com o segundo questionamento dos fariseus (v.7), percebe-se que a intenção daqueles homens não era buscar conhecimento, mas colocar Cristo contra a Lei de Moisés, ou pelo menos, contra a interpretação que faziam da mesma: "Replicaram-lhe: Por que mandou, então, Moisés dar carta de divórcio e repudiar?" (v.7).
Entretanto, a reposta de Cristo abrange bem mais do que a simples proposição de uma solução à interrogação. O Senhor Jesus retroage para além do estabelecimento da Lei que gere o casamento, até a criação do homem e da mulher e sua união no laço matrimonial, estruturando três argumentos básicos: 1) Cristo apela à constituição da natureza humana (e.g: "Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher...?" (v.4), o que sugere inicialmente, que o comportamento normal - tal como feito por Deus - do homem é se unir à uma mulher, permanecendo com ela para sempre; 2) Narrando ainda o momento da criação do ser humano, o Senhor Jesus enfatiza a indissolubilidade do casamento, a partir da intensidade da união configurada por este: "Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?" (v.5 - Gn 2.24); 3) Jesus extrai a implicação resultante dos dois primeiros argumentos tecendo uma descrição: "De modo que já não são mais dois, porém uma só carne" (v.6).
Todavia, em face dessas resoluções, a resposta da pergunta dos fariseus dada por Cristo está contida na última parte da frase pronunciada pelo Senhor, expondo também sua própria intenção ao emiti-la: "Portanto, o que Deus uniu não separe o homem" (v.6). Vista superficialmente (assim como os fariseus fizeram), a conclusão que Cristo parecia ter dado era a de que ao marido não era lícito repudiar sua mulher por qualquer motivo, o que por sua vez sugeriria (se interpretada erroneamente) que o Senhor estava se opondo a Lei conforme publicada através de Moisés (cf. Dt 24.1-4). Analisada porém à luz do contexto, o que a resposta do Senhor enfatiza é que proceder daquela forma, isto é, divorciado-se um homem por um motivo injustificável, estaria se opondo à norma imprimida pelo Criador na criação da humanidade. O ato de rebelião dos fariseus ao irem experimentar Cristo com um coração avesso ao Reino, é desmascarado pelo Senhor através de sua própria pergunta, e essa realidade é trazida à tona pelo próprio Messias, ao responder a réplica dos fariseus:
Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o princípio. Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério [e o que casar com a repudiada comete adultério].
A segunda resposta do Senhor funciona como uma faca de dois fios: atinge não apenas a pergunta em si, mas também o coração obscurecido daqueles homens ao rebelarem-se contra o Messias de Deus e seu Reino. A dureza do coração foi o motivo de o SENHOR ter aberto uma concessão na indissolubilidade do casamento, e essa mesma condição espiritual estava agora fazendo aqueles homens volverem-se contra o Criador, através de suas intenções impuras para com Cristo. A escusa das relações sexuais ilícitas, conforme dito por Cristo, justificava o divórcio, mas qualquer outro motivo não abarcado pela Lei, configurava-se um ato de motim contra o Reino de Deus.
De acordo com o prosseguimento da narrativa, com a exposição desse princípio, os discípulos de Cristo exibem certa incompreensão:
Disseram-lhe os discípulos: Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casar.
O questionamento dos discípulos revela o choque que tomaram ao se depararem com tão elevado conceito sobre o casamento. Mais habituados a obterem uma interpretação superficial do princípio que une um homem à uma mulher, e frente a revelação das intenções do coração farisaico, que atentava contra a inviolabilidade do casamento, os discípulos do Senhor pensaram ser melhor que um homem, a fim de evitar pecar contra Deus ou colocar-se numa condição em que possa incorrer nalguma transgressão contra o Reino, não se casasse, resguardando-se de pecar.
Contudo, o que Cristo lhes apresenta como resposta é uma postura completamente contrária ao pensamento que lhes veio a mente. Ao invés de encorajar a postura celibatária, ou incentivá-los a casar encarando o desafio, o que o Senhor ensina é que a aquiescência humana aos princípios do Reino não é algo concedido à todos, assim como o ato de casar-se não é algo realizado por absolutamente todos os homens, pois alguns há que não possam casar-se:
Jesus, porém, lhes respondeu: Nem todos são aptos para receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é dado. Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir admita.
Uma comparação implícita é feita entre alguns homens que não podem casar-se e os que não podem assimilar os princípios do Reino dos céus. Assim como alguns homens estão impedidos de, por sua condição de eunuquismo (quer auto-imposta, quer tenham sido feitos assim, ou ainda escolhido essa condição para servirem a Deus) se casar, também está restrito aos eleitos o entendimento da vontade do Pai na revelação de seu Messias e da chegada da plenitude dos tempos, em que a obra da salvação será finalizada.
Os discípulos constataram uma dificuldade no ensinamento de Cristo quanto ao casamento, e o Senhor confirmar a existência dessa dificuldade apontando que ela representa o impedimento dos homens naturais de submeterem-se ao Reino dos céus, o que é reforçado com a passagem seguinte, em que o acolhimento de crianças representa essa dinâmica.
No contexto em que o debate ocorre, crianças são trazidas à Cristo para que ele as abençoasse. Porém, os discípulos as impedem de aproximar-se do Mestre, ao que são repreendidos por ele, com afirmativa de que "das tais é o Reino dos céus" (v. 15). O termo usado pelo Senhor para retratar a postura dos discípulos é "não as embaraceis" (gr. "κωλύω" = impedir, proibir, resistir). A dificuldade que os discípulos estavam criando para impedir o acesso das crianças à Cristo é usada por Jesus e pelo autor, como análoga à condição de resistência que os fariseus apresentaram ao virem até o Senhor em motim contra o Reino.
Porém, o desfecho final da narrativa retrata um contraste entre as crianças e os fariseus: enquanto que Cristo ordena a seus discípulos que permitam as crianças virem até ele, porque o Reino lhes fora dado, os fariseus estão à margem disso, por em seus corações não compreenderem as grandezas da vontade do Pai e resistirem ao Reino através de uma postura pecaminosa e contrária.
Transição
A presente seção enfatiza a rebelião dos homens contra a mensagem do Evangelho na publicação e estabelecimento do Reino de Deus através de Jesus, condição essa que abarca absolutamente a todos homens, sendo porém tirados desse meio aqueles destinados à vida, a quem também fora dado compreender e agir de acordo com a vontade revelada do SENHOR, que promove através dos seus filhos o testemunho de sua glória e da majestade de seu império, proclamado em seu Messias, Jesus Cristo.
Essa compreensão é articulada e exposta por meio de alguns princípios, que são:
Aplicação
O Reino dos céus não é alcançado pela vontade dos homens, tendo em vista que esta é sempre carnal e rebelde, mas somente pela graça do SENHOR que chama pequeninos para si.
Como veremos novamente mais a frente, aos homens é impossível salvar-se, numa que a condição caída em que estávamos nos impedia de apreender os princípios da Lei de Deus, compreendê-los e praticá-los. Uma das provas disso nos é dada nessa passagem. A grandeza e indissolubilidade do casamento é uma dádiva que muitos não compreendem, agindo de maneira a corresponder a esse mandamento por razões externas, como conveniência, romantismo irreal e etc.
Nós, servos do SENHOR, por outro lado, entendemos que nosso casamento é uma forma de servir diretamente ao Criador, e que deve ser algo caro aos nossos olhos, como assevera J. C. Ryle:
Meditações no Evangelho de Mateus O Juízo de Cristo sobre o Divórcio; A Ternura de Cristo com as Crianças (Leia Mateus 19.1–15)
a relação matrimonial deveria ser altamente reverenciada e honrada entre o seguidores de Cristo. Trata-se de uma relação que foi instituída no próprio paraíso, no período da inocência do homem. E agora serve de figura simbólica predileta da união mística entre Cristo e sua Igreja. Assim, trata-se de uma relação que somente a morte é capaz de romper.
Não obstante, estamos diante de uma passagem que vai além do tratamento devido do casamento, em sua inviolabilidade e importância. Cristo usou o matrimônio como forma de demonstrar que os princípios que Deus estabeleceu no mundo são bem mais ricos do que geralmente pensamos, e o homem, em seu estado natural, rebela-se contra o SENHOR, violando esses mandamentos, como faziam os fariseus, também ao quererem usar tal ideal contra o próprio Messias.
Por outro lado, crianças; incapazes e frágeis, a quem seria impossível receber o Reino por contra própria, foi concedido acesso ao Mestre, que nos abençoa com o entendimento de sua revelação e da obra salvadora, fazendo-nos servidores do Reino dos céus.
Grande é o SENHOR, que em sua sabedoria, entregou ao seu povo um conjunto de leis e princípios através dos quais é glorificado, mas encriptou essa Lei de tal forma, que somente pelo poder do Espírito a podemos compreender e obedecer, enfatizando a misericórdia do Deus Triuno em nos salvar, nós, que não tínhamos condições ou merecíamos.
Conclusão
O texto de Mateus 19.3-15 exibe claramente a incapacidade do homem de compreender os mandamentos do SENHOR a fim de que receba dele a salvação, pois naturalmente rebela-se contra essas leis, confirmando o caráter eletivo da redenção, que enaltece o Criador através da escolha de pequeninos que abençoa com seu amor e graça.