Como entender o aparente arrependimento de Deus na Bíblia?

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Prelúdio

Tema: Arrependimento de Deus
Título: Como entender o aparente arrependimento de Deus na Bíblia?
Propósito Geral:
Propósito Específico:
Introdução:
No geral, os cristãos estão acostumados com o conceito de livre arbítro. Isso é, a ideia de que Deus nos dá liberdade de escolha. Isso encontra forte respaldo bíblico em inúmeras situações (Adão e Eva em Gênesis 2-3; Caim e Abel em Gênesis 4.6-16; antediluvianos em 2Pedro 2.5; Abraão em Gênesis 22.16; Nínive em Jonas 3.4-5, para citar alguns exemplos).
O que frequentemente se ignora são os impactos do exercer do arbítrio. Eu, pessoalmente, chamo isso de lei das consequências, a qual sustenta que Deus permitirá que uma escolha traga a tona seus resultados, especialmente quando tomada de maneira consciente.
Exemplos bíblicos também não faltam e praticamente todos aqueles usados para enfatizar a liberdade também expõe suas consequências. Tome o caso de Roboão que, após ser mal aconselhado, discursa duramente contra o povo. O resultado disso é uma divisão no reino, alguns seguindo Roboão, filho de Salomão, e outros tantos seguindo a Jeroboão.
Exemplos mais próximos são de fumantes que, apesar de que num momento da vida encontrem a Jesus e se arrependam, tendo seus pecados perdoados, ainda assim continuam com seus pulmões pretos. Reconheço a existência dos milagres, porém parecem ser a exceção e não a regra. O praticante de parkour tem uma vida útil extremamente curta, pois se vê obrigado a terminar com a prática quando seu corpo já não suporta mais. O lutador de boxe se aposenta com várias lesões e danos irreparáveis. Há várias profissões que gozam de uma aposentadoria mais cedo por causa de seus riscos ou pela expectativa de vida ser menor (bombeiros, militares, vigías nortunos, enfermeiros expostos a radiação…).
Porém, nossas escolhas não afetam somente a nós mesmos, mas são capazes de alcançarem as vidas alheias. Um pai que abandona a família impacta eternamente a vida da esposa e filhos; uma traição tem capacidade para destruir um casamento e talvez a vida do cônjuge. A candidatura para prefeito, governador, deputado ou ainda presidente leva em seus ombros o potencial de mudar vidas. O médico na sala de cirurgia pode tanto agir rapidamente salvando quanto imprudentemente matando.
Na verdade, é mais complexo do que isso. É possível que consequências gerem mais consequências, numa espécie de efeito borboleta. Resgatando um dos exemplos anteriores: uma mulher se casa, tem um filho com o marido e, posteriomente, o homem a deixa. A criança cresce ouvindo mal do pai e, ao atingir a idade adulta, perde sua mãe. Julgando ser culpa do pai que os deixou em primeiro lugar, vai atrás de vingança e termina matando ao próprio progenitor. São consequências atrás de consequências! Quem sabe, se a mulher pudesse vislumbrar tudo isso, nunca teria se casado em primeiro momento. Porém, resta-lhe o arrependimento pela escolha.
Aliás, o arrependimento nada mais é do que escolher algo e não gostar de suas consequências, desejando ter feito diferente.
E quanto a Deus? Nossas escolhas afetam a Deus? Ou, por ser Deus, está longe demais de qualquer repercussão do que acontece em nosso meio? Ainda outra pergunta: Deus se arrepende de suas escolhas?
A palavra נחם é usada no AT 107 vezes e junto ao sujeito Deus 46 vezes. Em algumas passagens é traduzida na Almeida Revista e Atualizada como arrependimento. Noutras tantas significa “consolar”, “compaixão” ou “sentir pesar”.
O problema são versos como 1Samuel 15.29 “Também a Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa.” ou Malaquias 3.6 “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos”.
Proponho, para delimitarmos mais o estudo, que foquemos somente naquelas vezes em que Deus se arrependeu de algo que já tinha feito. Do contrário, seria apenas uma mudança de planos futuros. São quatro os momentos em que isso aconteceu.
Analisaremos -> Interpretaremos -> Aplicaremos
Proposição: Deus muda seu plano de ação por causa de nossas reações.
Pergunta de transição: Deus se arrepende?
Palavra reguladora: Vezes

Textos que apresentam o arrependimento de Deus no passado

Gênesis 6.6

Lição: Nos versos 1 a 5 temos o contexto do arrependimento divino. É-nos apresentado a quadro desesperador em que os “filhos de Deus” se misturam com as “filhas dos homens”. Não se deve confundir esses versos com promiscuidade angélica, pois o verso 4 deixa claro que o resultado dessa combinação foram homens (אִישׁ) valentes e de renome. A associação de um grupo relacionado a Deus e outro aos homens aponta para uma corrupção da linhagem do povo de Deus, ignorando o julgo desigual.
O resultado dessa escolha é expresso no verso 5: “continuamente mau todo desígnio do seu coração”. Portanto, Deus cria o ser humano, mas esse escolhe o pecado e a total decadência. Por conta disso, Deus muda seu propósito de “multiplicai-vos, encheia a terra e sujeitai-a” para “desaparecer da face da terra”.
Texto prova: Gênesis 6.6 “então, se arrependeu o Senhor de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração.”

1Samuel 15.11

Lição: Em 1Samuel se dá a passagem da teocracia para a monarquia em Israel. Por ser o desejo do povo, Deus lhes entrega um rei que atinja suas expectativas. Este é o surgimento de Saul. A história desse rei não necessariamente teria de ser ruim, porém por duas vezes desobedeceu a Deus sem reconhecer seu próprio erro.
É este o caso em 1Samuel 15, quando o rei escolhe preservar ovelhas e bois para sacrificar ao Senhor, desobedecendo a ordem divina. Saul se coloca por cima de Deus, julgando o que é melhor ou pior para Ele.
Portanto, Deus levanta Saul, derrama seu Espírito, mas esse escolhe desobedecer a Deus. Portanto, o Senhor muda de “constituí-lo rei” para “rejeitá-lo para que não seja rei”.
Texto prova: 1Samuel 15.11 “Arrependo-me de haver constituído Saul rei, porquanto deixou de me seguir e não executou as minhas palavras. Então, Samuel se contristou e toda a noite clamou ao Senhor.”

2Samuel 24.16 ou 1Crônicas 21.15

Lição: Registra-se que Davi procedeu mal ao levantar um censo de Israel. Isso era proibido sem a autorização de Deus desde Moisés, afim de que não confiassem em seus números ou poder, mas em Deus (Êxodo 30.11-16). Quando Davi assim procede, Deus lhe pede para escolher entre “Sete anos de fome… Três meses fujas diante de teus inimigos… Três dias haja peste na tua terra”. Preferindo sofrer menos, Davi escolhe a peste. Porém, sua escolha afeta a outras pessoas e Davi, ao perceber isso, junto com os anciãos, se cobrem de panos de saco e se prostram em terra, clamando para si as consequências.
Deus derrama a peste, Davi se arrepende e, então, Deus muda de “destruição em todos os territórios” para “basta, retira, agora, a mão”..
Texto prova: 2Samuel 24.16 “Estendendo, pois, o Anjo do Senhor a mão sobre Jerusalém, para a destruir, arrependeu-se o Senhor do mal e disse ao Anjo que fazia a destruição entre o povo: Basta, retira a mão. O Anjo estava junto à eira de Araúna, o jebuseu.” ou 1Crônicas 21.15 “Enviou Deus um anjo a Jerusalém, para a destruir; ao destruí-la, olhou o Senhor, e se arrependeu do mal, e disse ao anjo destruidor: Basta, retira, agora, a mão. O Anjo do Senhor estava junto à eira de Ornã, o jebuseu.”

Jeremias 42.10

Lição: Jeremias profetizou ao povo de Israel sobre o exílio babilônico e é conhecido como o profeta chorão. Assim é chamado porque frequentemente suas profecias proclamadas eram ignoradas ou, no pior do casos, reprimidas.
No verso em questão, durante o exílio, os capitães dos exércitos, Joanã e Jezanias, junto com os restantes que estavam na terra ainda vieram até Jeremias e rogaram pela guia divina.
Nesse contexto de humilhação e arrependimento, Deus os pede para que fiquem na terra, pois dessa maneira o povo se levantaria novamente. Portanto, Deus havia num primeiro momento permitido que Babilonia conquistasse Judá, derribando-a por causa de suas transgressões, agora muda para “edificarei… plantar-vos-ei”.
Texto prova: Jeremias 42.10 “Se permanecerdes nesta terra, então, vos edificarei e não vos derribarei; plantar-vos-ei e não vos arrancarei, porque estou arrependido do mal que vos tenho feito.”

Interpretação

Como pode um ser com pré-ciência de todas as coisas vir a se arrepender? É nítido que esse arrependimento não denota surpresa da parte divina. Seu arrependimento não é igual ao humano que, ao se ver decepcionado com os resultados, lamenta. Deus, por sua vez, responde as ações humanas.
Nos quatro casos analisados, o arrependimento e mudança divina vieram pós ações humanas. Isso é, Deus não ignora o proceder do homem, seja ele negativo ou positivo. É como se houvessem milhares de planos alternativos (Plano A, Plano B, Plano C). Ao permitir que algo recaia sobre nós, Deus estabelece um plano, porém nossas atitudes podem mudá-lo para pior ou melhor.
1Samuel 15.29 e Malaquias 3.6 se referem a essência de Deus. 1João 4.8 afirma que Deus é amor. Esta realidade é imutável, assim como sua justiça e bondade. Porém, as ações de Deus, bem como seu sentir, podem mudar. A ideia de um Deus impassível é grega e apresenta um Deus impessoal, incapaz de entender suas criaturas.

Aplicação

Que diferença isso faz em nossas vidas? Queridos irmãos, nada é tão conclusivo assim. Estamos num constante diálogo com Deus! Nossa reação diante da adversidade, doenças e imprevistos podem colocar Deus ao nosso lado, em contra ou ainda não envolvê-lo! Assim como nós temos o livre arbítrio, Deus também o possui.
Deus é menos estático do que muitos de nós imaginávamos. Não deveríamos tratá-lo como alguém previsível, considerando que podemos manipulá-lo com dinheiro, tempo ou palavras. Assim como cada pessoa é única e nossas interações variam, assim também com Deus. Apesar de que, obviamente, Deus manterá a essência da justiça, ordem, honestidade...
Nada, porém, é tão importante como o arrependimento. Na verdade, em todos os quadros apresentados, o fator crucial para a mudança divina foi o arrependimento humano. Os antediluvianos, assim como Saul, permaneceram duros de coração e, por isso, Deus os condenou. Porém, Davi e os habitantes da Judá desolada manifestaram arrependimento, resultando no favorecer divino.
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