Mateus 19.16-30
Série expositiva no Evangelho de Mateus • Sermon • Submitted
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· 11 viewsO autor registra a narrativa que evolui a temática desta seção de seu Evangelho, em que é demonstrado a oposição dos homens ao Reino dos céus, através agora do amor às riquezas como prova dessa condição.
Notes
Transcript
“[...] Porque é chegado o Reino dos céus” (Mateus 3.2).
Pr. Paulo U. Rodrigues
Introdução
Continuando a demonstração da antagonia dos homens contra o Reino dos céus, após ter exibido essa aversão a partir da própria natureza dos opositores de Cristo, que rebelando-se contra o Senhor, revelaram a ignorância daqueles a quem não fora concedido compreender a vontade do Pai, Mateus passa a complementar essa declaração por meio de outras manifestações de contrariedades à mensagem do evangelho, como por exemplo, o amor às riquezas, tópico do presente trecho do seu escrito.
Na narrativa em questão, o diálogo entre o Senhor Jesus e um homem (ou jovem (cf. v.22)) rico, introduzem a discussão posterior em que Cristo explicita a dificuldade encontrada pelos homens de desapegarem-se das riquezas, tornando-se isso um obstáculo que os impede de entrar no Reino (v.24). Naturalmente, o Senhor não está restringindo tal dificuldade à classe social dos ricos; não se trata de uma condição social, mas de um estado de espírito ou inclinação do coração do homem, que amando as riquezas, desvia-se de Deus.
Assim, a presente seção retrata o amor às riquezas como forma de rebelião contra o Reino dos céus.
Elucidação
A narrativa é registrada abordando dois momentos que complementam um mesmo ensino a ser retratado: primeiro, Cristo dialoga com um homem (jovem cf. v.22)) de muitas posses, que lhe direciona uma pergunta de maneira peculiar: "[...] Mestre, que farei de bom, para alcançar a vida eterna?". À luz do relato paralelo nos evangelho de Lucas e Marcos, a abordagem do jovem tenciona lisonjear Jesus, chamando-lhe "bom mestre" (cf. Mc 10.17; Lc 18.18). A aproximação desse homem, quando entendida à luz do contexto, revela suas intenções de mostrar-se como alguém tão bom quanto atribuía a Cristo o ser, porém a resposta do Senhor resguarda o sentido oposto.
Ao retrucar o questionamento, Jesus primeiramente encerra as expectativa de que a bajulação tenha surtido efeito: "Por que me perguntas acerca do que é bom? Bom só existe um" (v.17). Nos outros evangelhos, a resposta de Cristo sugere um entendimento mais pessoal quanto a expressão usada pelo jovem em sua pergunta ao Senhor: "Por que me chamas bom"? (cf. Mc 10.18; Lc 18.19). Entretanto, é na orientação dada por Cristo que consiste a verdadeira confrontação.
Embora tenha rejeitado o "elogio", o Senhor Jesus propõe ao jovem que, para "entrar na vida" (v.18) (possivelmente uma expressão sinonímica que alude ao Reino), basta que ele guarde os mandamentos. Novamente, o jovem retomando a palavra, questiona a Cristo acerca de que mandamentos ele deveria cumprir para que obtivesse êxito. Nesse ponto, a fala do Messias sugere uma resposta que embora seja verdadeira em sua essência, demandava um complemento. Ao fazer isso, naturalmente, Cristo não estava enganando o jovem, apenas direcionando-o ao ponto crítico em que seu pecado seria exposto.
A resposta do Senhor ao jovem consiste em elencar os mandamentos registrados e sintetizados na Lei:
E ele lhe perguntou: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho; honra a teu pai e a tua mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Se analisada minuciosamente, a fala do Mestre alude a segunda tábua da Lei, que expressa os deveres dos homens para com Deus em relação uns aos outros, com a exceção do décimo mandamento, cujo o teor de proibição consiste em não dar lugar a cobiça para com o que não lhe pertence. Essa edição da segunda tábua da Lei, que omite tanto a primeira tábua quanto um imperativo específico, sugere duas alternativas que visam expor o problema enfrentado pelo jovem: 1) a ausência do décimo mandamento aponta para a falha do jovem em o cumprir, devido seu apego às riquezas e as coisas desse mundo; 2) Essa avareza ocupa tanto seu coração, ao ponto de tornar-se um ídolo que ofusca sua compreensão sobre Deus. Noutras palavras, Cristo, pela omissão de informações, está na verdade revelando o que aquele jovem deve fazer para que então entre na vida eterna.
Todavia, os esforços de Cristo são correspondidos com ignorância: embora esteja patente ao seu interlocutor (assim como ocorreu anteriormente em relação aos fariseus) os princípios que o Senhor deseja ensinar, o jovem insiste em promover-se como digno do Reino, e persiste em sua posição contumaz: "Replicou-lhe o jovem: Tudo isso tenho observado; que me falta ainda?" (Mt 19.20).
O jovem rico ainda não percebera quão evidente era sua falha; se fosse um "perfeito cumpridor da Lei" (tal como se autoproclamara), teria notado as edições feitas por Cristo quanto aos mandamentos. Porém, ao invés de demonstrar apenas desconhecimento, o homem revela que na verdade Deus não está no centro de sua devoção. Sua resposta pretensiosa exibe um coração distante do Pai, o que rapidamente é constatado ao ter o Senhor Jesus, ido mais a fundo em sua abordagem:
Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me.
Os princípios omitidos por Cristo agora são trazidos ao centro da discussão, expondo as implicações diretas resultantes da observação deles: primeiro, aquele jovem deveria identificar e combater seu pecado, ao abandonar o amor às riquezas, e após isso, deveria ter sua visão reorientada para o Pai, seguindo a Cristo. Nesse ponto, a intenção do autor em expor a antítese ou oposição ao Reino enfrentada por Jesus, é exibida:
Tendo, porém, o jovem ouvido esta palavra, retirou-se triste, por ser dono de muitas propriedades.
A rebeldia dos homens contra o Messias e seu Reino não manifesta-se apenas por meio da ignorância à vontade do SENHOR, mas a natureza corrompida pelo pecado engendra na raça dos homens uma subversão tal, que aquele sentimento de devoção e serviço que deveriam convergir para o Pai, é direcionado para as coisas desse mundo, donde os que não foram iluminados com a graça salvadora, acham que podem usufruir vida abundante.
O jovem rico possuía alguma noção quanto a necessidade de vida eterna, mas não estava disposto abrir mão daquilo que amava mais do que ao próprio Deus, e por isso, a sentença que lhe cabia era a mais terrível possível, e vem na forma de uma dura constatação:
Então, disse Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.
Nesse ponto, uma breve repetição alusiva ao trecho anterior é feita. Tendo Cristo demonstrado o quanto a visão da Lei sobre o casamento é elevada, refletindo a complexidade do dever requerido pelos que servem ao Pai, os discípulos expõem seu temor de que seja impossível aos homens alcançarem tamanho padrão: "Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casar" (Mt 19.10). Agora, ao ouvirem de Cristo que dificilmente um rico entraria no Reino, os seguidores de Jesus repetem sua perplexidade: "Se é assim, quem pode ser salvo?" (v.25).
Cristo rebate o questionamento, também através do mesmo princípio apresentado antes, porém, de maneira ainda mais clara: assim como o entendimento do que significa o matrimônio e da Lei do divórcio eram compreensíveis apenas aos que do Alto receberam tal capacidade, salvar-se por meio da rejeição ao amor às riquezas, era "[...] aos homens impossível, mas para Deus tudo é possível" (v.26).
A noção de que o único a ser adorado e amado é o Deus Triuno, e o poder para tal, são identificadas como concessões feitas pelo Pai, mediante a obra do Messias, operada por sua vez sob o poder do Espírito. É o poder de Deus que salva os homens a fim de que amem seu Criador e Pai, abandonando quaisquer outras coisas desse mundo que lhes poderiam roubar a atenção.
Buscando confirmar sua condição, Pedro retruca ao Senhor: "Eis que nós tudo deixamos e te seguimos: que será pois, de nós?". Novamente, de forma condescendente, Cristo exibe o futuro daqueles que, tendo amado-o, rejeitaram depositar sua confiança nas riquezas:
Jesus lhes respondeu: Em verdade vos digo que vós, os que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe [ou mulher], ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e herdará a vida eterna.
Transição
O Senhor Jesus alude ao momento da consumação e publicação do Reino, o que indica por sua vez que os discípulos também não devem segui-lo almejando obterem aqui e agora algum tipo de enriquecimento, mesmo porque, o conceito dos homens quanto a riqueza, como demonstrado pelo jovem rico, desemboca sempre num sentimento idólatra e consequentemente, vazio de Deus.
Será no momento em que a glória do Reino dos céus for demonstrada, que a devida recompensa dos agentes do Reino será entregue: por terem amado mais ao Filho de Deus do que os bens desse mundo - quer materiais (e.g. casas, campos etc.), quer imateriais (e.g. irmãos, irmãs, pai, mãe ou cônjuges) - todo aquele que serve ao SENHOR verá a grandeza de sua troca: desprezando coisas corruptíveis, receberão um tesouro eterno, e aqueles que não tinham nada ou não eram excelentes às vistas humanas, receberão glória e honra dobradas (cf. "Porém muitos primeiros serão últimos, e os últimos, primeiros" (v.30).
Mateus cuidadosamente exorta seu público a considerar a salvação no lugar das riquezas e bens que, devido a perseguição, podem estar perdendo. O amor aos bens e riquezas somente pode trazer pesar e angústia aos homens, pois a felicidade genuína de que precisa só é fruída no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Por outro lado, se abandonarem o mundo e seu “ouro de tolo” amando a Cristo e o Reino, verão a grandeza da recompensa proposta: vida eterna.
Esses mesmo princípios alcançam o povo de Deus hoje, e devem ser compreendidos a partir das seguintes considerações:
Aplicações
1. Amar às riquezas e bens materiais desse mundo, é declarar inimizade contra Deus, pois não pode haver no coração do homem dois senhores.
No sermão do monte, Cristo já havia alertado os discípulos sobre o grave problema do amor ao dinheiro e aos bens materiais: “não podeis servir a Deus e às riquezas” (cf. Mt 6.24). Esse mesmo tema é repetido na presente seção do evangelho, com um tom de gravidade ainda mais intenso: o amor as riquezas não é apenas uma distração que nos impede de contemplar a providência divina, como foi dito no sermão do monte, é também uma forma de rebelião contra o Senhor Jesus e seu Reino.
O homem natural declara ardentemente sua aversão a Deus, quando se apega as coisas desse mundo, como fez o jovem rico: Arrogou para si o título de perfeito cumpridor da Lei, mas estava cego ao fato de que caminhava longe do Pai, e quando confrontado, revelou sua oposição a Cristo, ao ter se entristecido muito quando lhe foi ordenado vender seus bens e seguir o Mestre.
Tanto em Mateus 6, quanto agora no capítulo 19, as riqueza são tratadas como um ídolo (cf. riquezas - gr. “μαμωνᾶς” = deus oriental de dinheiro, riquezas (TAYLOR, 2011, p.131)), um falso deus que rouba o coração dos homens, afogando-os na miséria da escuridão que lhes impede de ver que ao abraçarem esse mundo, estão perdendo a eternidade.
As riquezas escravizam o homem à condição de um ansioso servo, que vive apenas para satisfazer seus desejos: quanto mais pensa que está no caminho da realização, mais ambicioso se torna, vivendo em um ciclo vicioso que o fará morrer sem Cristo.
J. C. Ryle comentando esse texto, aponta para a reação cristã apropriada quanto ao amor às riquezas:
Meditações no Evangelho de Mateus O Perigo das Riquezas; Devemos Abandonar Tudo por Amor a Cristo (Leia Mateus 19.23–30)
Que o homem mundano transforme o dinheiro em um ídolo se quiser, e que até mesmo considere mais feliz quem tem mais dinheiro! Mas os crentes, entretanto, que dizem possuir “um tesouro no céu”, volvem o rosto resolutamente contra o espírito mundano a esse respeito.
Nosso coração está em nosso Senhor, aquele que cuida de nós e sabe do que necessitamos. Não precisamos ser ricos ou pobres, mas amar ao Deus Triuno e a ele somente. Impeça que seu coração se ancore nesse mundo e em suas sutilezas: aqui o ouro é lindo, mas no inferno ele não vale absolutamente nada.
Entretanto, aos eleitos está reservada a certeza de que aquilo que é impossível aos homens, é possível ao SENHOR, o que nos leva à segunda consideração:
2. Abraçando o Evangelho, não temos tempo a perder, amando bens ou riquezas. Já temos um tesouro: Cristo e seu Reino.
A base da exortação do evangelista não é simplesmente o imperativo aos cristãos para que não amem o dinheiro ou bens, mas unido a isso, o autor corrobora a convicção de que ao terem amado a Cristo, receberam a promessa de uma recompensa inimaginável: aqueles que nesse mundo foram esquecidos, sendo inclusive desprezados como nada, assentar-se-ão em tronos de glória (cf. v. 28).
Se a linguagem que Mateus usa é figurada ou literal, não importa, pois o sentido da passagem é claro: haverá uma honra peculiar aos que sofreram por desapegarem-se de coisas materiais, servindo ao Senhor com todo seu coração. Além disso, a graça de terem sido tirados do estado de ignorância deve satisfazer seus corações ao ponto de verem quão grande benção receberam.
É importe distinguir que em momento algum Cristo está criticando aqueles tem posses, ou que de repente querem alguma melhoria de vida, o foco do texto é expor o quanto o amor aos bens revela um coração rebelde diante de Deus, e portanto, cego para ver além desse mundo.
Se a pergunta de Pedro também é a sua (i.e. “Eis que nós tudo deixamos e te seguimos; que será, pois, de nós?” v.27), não se preocupe, a resposta de Cristo a ele e aos discípulos, também é a mesma para você: Se deu as costas ao amor ao bens materiais e ao mundo, “receberá muitas vezes mais e herdará a vida eterna” v.29.
Conclusão
Mateus 19.16-30 demonstra outra forma de rebelião contra o Reino, além da ignorância quanto aos mandamentos do SENHOR (cf. Mateus 19.3-15), qual seja, a avareza e apego aos bens materiais, que fomentam no coração do homem ídolos que lhe aprisionam ao uma vida distante de Deus.
Aos discípulos de Cristo, por outro lado, a garantia de que precisam está na graça de terem herdado o Reino dos céus, onde obterão uma recompensa mais gloriosa do que poderiam imaginar.